sábado, 11 de outubro de 2008

Cosas de mi Vida - Parte III

Lá vai...a não menos longa viagem posterior à de Londres.

Bem. Dois dias após o final da epopéia pelas terra de Beth, como havia anunciado anteriormente, fomos convidados a conhecer o sul da França (para compreender com toda a intensidade este post, é necessário ler o anterior, "Cosas de mi vida - Parte II").
A proposta era tentadora. Não era qualquer lugar! Estávamos falando da Côte D`Azur, um dos locais mais requintados de toda a Riviera Francesa! Conheceríamos Nice, Cannes, Mônaco...era quase irrecusável! Mas o trauma Londrino nos fez pestanejar:

-Pera um pouco! Onde vamos ficar?!!!! (em tom agressivo)
- É um studio de um amigo da Ticia! É ótimo!!!Tem tudo lá, é lindo, na quadra da praia, perfeito.
- Tem certeza? Absoluta? Não é mais uma enrascada?
- Nãããããããããão! Fiquem tranquilos!!! Eu garanto!!! (Lembre-se na sua vida que uma pessoa dizer que garante e um burro cagar dá na mesma. Que podiamos fazer depois? Matar o nosso amigo? Arrancar os ovos dele com a mão e fritar em óleo quente, depois jogar uma partida de sinuca?!)

A história era essa: A Ticia, mulher branca do nosso amigo preto (e não estou abordando apenas a questão melanínica...mas eles tinham um casamento branco, um acordo pra conseguir permissões mútuas de estadia nos países dos respectivos) tinha um amigo riquésimo em Nice. Este amigo convidou-a para passar uns dias por lá, oferecendo seu lindo Studio como hospedagem. Meu amigo, como não poderia deixar de ser, estava convidado junto. Nós pagariamos um Migué Europeu, e ficariamos lá sem maiores problemas. Lindo, perfeito.

Voltamos ao Renault que eu jurei nunca mais sentar (cuspir pra cima e cair na testa é comigo mesmo) para enfrentar, desta vez, não 4 ou 7...mas (teoricamente) 9 horas de estrada. Tinhamos que cortar a França inteira, de norte a sul, para chegar lá. Ajeitamos as coisas dentro daquele compacto europeu (adoro esta expressão...dá uma idéia do que foi aquilo), e partimos rumo ao certo mais incerto que já vi. No começo chovia horrores, mas logo teve lugar um dia lindo. Nesta hora eu acreditei, inocentemente, que a tormenta ficaria em Paris, e desta vez sim seria tudo maravilhoso.

Eu era o único que não dirigia. Meu irmão, Binidito (nome fictício do meu amigo...já que eu resolvi contar que o casamento dele era fake) e Ticia armariam um esquema de revezamento pra ninguém ficar estropiado. Os primeiros quilômetros foram lindos! Vimos muitos castelos, o caminho era europeicamente lindo, alguns alpes...uma formosura. Já no início, a mulher aparentava uma certa insegurança...para não dizer apreensão. Chegou a vez dela de dirigir, puxou o banco o-mais-pra-frente-que-os trilhos-suportavam, colou a cara no vidro como fazem aquelas velhas caducas, e dirigiu a 20 por hora. A gente se olhou, olhou para o meu amigo, e ele então resolveu confessar:

-É que ela já sofreu um acidente muito sério uma vez....foi numa curva. Ela tem pânico de estrada.

Ótimo. Estávamos com uma pessoa que tem pânico de estrada nos dirigindo. É a mesma coisa que entregar o comando do navio a um hidrofóbico. Não podia ser melhor. Ou podia...

Certa hora, meu irmão resolveu pegar a direção para dar uma adiantada no caminho, pois pretendíamos chegar antes da senilidade na praia. Pé-de-chumbo que é, aproveitou para tirar o atraso. A mulher quase teve um parto normal. A cada curva que ele fazia, ou mudança de faixa, ou olhava para o lado e não para a estrada, ela soltava um gritinho angustiado. Nessa hora o saco do meu rmão foi pra lua, o meu continuava apertado no banco de trás, e o da mulher tava estourando de medo. Resolvemos parar pra tomar um café.

-Porra, Binidito, assim num vai dar. Dá um sonífero pra essa mulher, assim já acorda ou lá ou no inferno.

Ela era cantora lírica profissional, que já tinha cantado no Ópera de Paris e dado aulas em famosas universidades de música do mundo...inclusive a Unicamp. Em certo momento de nossa parada, ela disse que conseguiria todo o dinheiro da viagem cantando um pouco em Nice numa pracinha pública. Pra dar uma quebrada de gelo e aproveitar meu instinto piadista nato, falei:

-Eu posso cantar com você! - E dei uns acordes com voz de Pavarotti depois da efizema pulmonar.

Puta que pariu. A mulher ficou louca da vida! Eu nem entendi no momento, mas Binidito me explicou depois: Ela ficou muito ofendida em eu comparar a capacidade dela à minha ignorância. Ficou parecendo que eu chamei ela de Joelma do Calypso na concepção músico-piadista. Fudeu geral.
Agora era o raio da mulher de cara fechada pra mim, soltando os gritinhos na curva, meu irmão mais puto then ever, e eu quase tão apertados quanto antes. Só faltava o austríaco dormindo do meu lado.

Depois de 6 pedágios, 4 paradas, 239 gritinhos, 14 puta que parius (em português), 2 gangrenas, 935 quilômetros, 10 horas e meia, 5 estados, e muita...mas muuuuuita canseira, chegamos em Nice. Eram 4 e pico da manhã, fomos pra casa do cara buscar a chave. Começaria, então, nosso calvário. Depois de uns 5 minutos, vem nosso amigo com cara-de-fudeu e diz simplesmente: "Miou".

Não. Nada apenas "mia" depois de tanto sacrifício. Nós pensávamos que era piada dele, agarrando num último fio de esperança...mas não. Sentamos os três dentro do carro, e ele começou a explicar.

- O cara resolveu reformar o studio de última hora, e pensou que ela e eu poderiamos ficar aqui na casa dele mesmo. Mas só tem espaço pra dois. Então, basicamente vocês não tem lugar para ficar.

Isso, sabia bem ele, incluia sua pessoa também. Porque nós não seríamos enxotados às 4 da manhã sozinhos. Eu imagino as nossas caras naquela hora. Já veio tudo à minha cabeça e acho que uma lágrima me correu. Ou não. Bom, hora de enfrentar a realidade. Meu irmão, que já estava doido pra cagar desde que a gente saiu de Paris, cortou logo o silêncio dizendo que largassemos logo a porra da mulher lá e procurassemos um banheiro pra ele, e depois decidiriamos o que fazer. Lembro até dela dando um tchauzinho pra nós. Saimos à procura de um Hotel não muito caro onde pudessemos garantir a cagada do meu irmão e a nossa noite. Rodamos por aproximadamente meia hora. Era alta temporada e NENHUM filho de uma puta de um hotel tinha vagas. Nem caro, nem barato, nem meio-termo, NE-NHUM. O único que supostamente teria era o Hotel Negresco, onde a diária mais barata era 350 Euros. Mais fora de cogitação que isso, impossível! Meu irmão, vendo estrelas, perdeu a compostura e soltou: Vou cagar na praia mesmo. Não sabiamos que a praia era de pedra. Mas nesta hora, pouco importava. Ele acocorou-se lá e...bem, daí vocês já sabem. Veio falando: "Nossa, foi a cagada mais linda que já dei! De frente pro Mar Mediterrâneo!".
Nesta hora o cansaço tomou conta. Paramos o Renault em uma praça a duas quadras da praia, e resolvemos que dormiriamos tortos e mal acomodados lá mesmo. No dia seguinte veriamos o que fazer. Tá, piada! Três marmanjos naquele carro, estavam mais desajeitados do que sardinha na lata. Fora o que nosso amigo tava com um chulé desgraçado:
-Da próxima vez deixa a carniça lá em Paris.
Próxima vez...hahaha. Até parece que cairiamos mais uma vez em qualquer coisa que ele armasse pra gente. Depois daquela, eu não topava nem com reserva de Hotel 5 estrelas confirmada e com firma reconhecida no cartório. Bom, tentativas frustradas de dormir, 5:15 da manhã eu e meu irmão decidimos ir pra praia e ver o sol nascer, pra já começar a aproveitar, mesmo sem dormir.
Chegamos lá, deitamos em uma daquelas espreguiçadeiras que estava dando sopa (cogitando ser nossa cama definitiva), e já vem um segurança nos tirar. Eram de um Hotel. Sentamos nos pedregulhos mesmo (daí vai uma boa parte do pagamento de contas com a Eternidade), e aguardamos 45 minutos até o sol aparecer.

Foi ficando cada vez mais claro, cada vez mais claro...e nós aguardávamos feito crianças o sol surgindo dourado, lindo, naquelas águas que aparentavam muito claras. Quando já estava bem claro, surge o raio de sol! Mas nas nossas costas. O sol não nascia no mar. Imagina a nossa cara de Pastel de feira 5 e Meia da tarde.

Emputecidos, acompanhamos a chegada dos primeiros velhinhos à praia. E descobrimos uma dinâmica bastante interessante. Nas praias européias, como é de conhecimento geral, o Top Less é uma prática comum. Mas não sabíamos que os mais despudorados ficavam completamente nus (para se trocarem). Foi um festival de pelancas! Tinha pra todos os gostos! Caídas, plastificadas, murchas, recheadas, enfim. Dada hora resolvemos entrar no mar, que já parecia muito convidativo. Entendemos porque as velhas entravam usando uma melissa. Entrar no mar de pedras descalço, é pior que subir as escadarias da igreja da Penha plantando bananeira. É uma dor do cão! Mas entramos. E lá ficamos de molho por algumas boas horas. A praia encheu (nada digno de Janeirão no Guarujá), e começamos a ver os primeiros peitos jovens pipocando pelas pedras. Foi reconfortante. Os dois, dentro do mar, anunciando um novo top less como os mercados da bolsa. Até que teve uma hora que começou a ficar normal.

Eis que bate a larica-de-praia (A mais forte que já inventaram). Procuramos algum lugar baratinho pra comer um pingado qualquer, mas esquecemos que aquela era a Riviera francesa. Só tinham mega croissants com Capuccinos chiquetérrimos, etc. Acho que a praça que a gente escolheu pra mendigar era chique demais. Cheguei até a traduzir pra um dono de comércio: Pão com manteiga e café-com-leite (a pedido insistente do meu irmão). Mas não rolou. Gastamos os olhos da cara pra encher as panças. Encontramos nosso amigo, meio puto por dormir mal aquele jeito (e nós sem dormir),e fomos pra praia. Ficamos lá o dia todo. Andamos pra lá e pra cá, conhecemos um mendigo poliglota, demos mais uma procurada em hotel, mas logo percebemos que não ia rolar mesmo. Pelo menos podiamos tomar banho na praia, onde tinham chuveiros de água doce. Levamos o Lux Luxo, o Elseve de cabelos normais, e tomamos banho de verdade.

Descobrimos um lugar que fazia um Panini delicioso, grande, e com um preço justo (num espaço que era uma feira fixa lá...claro, muito chique). Foi isso que comemos durante toda a estadia. Café, Almoço e Janta de Panini. Não reclamo não, pois estava muito bom mesmo. À tarde, de banho tomado, deitei no colchonete na praça e dormi feito criança. E foi assim que ficamos lá por alguns dias...Os dois dormiam na praça (na grama mesmo) dividindo o único cobertor que, por sorte, levamos, e eu no banco detrás do Renaultzinho. Mijávamos nas árvores, e escovávamos os dentes no chafariz da praça. Claro que ainda estávamos putos, mas foi menos pior que a casa Londrina. No último dia, enquanto a mulher foi cantar na feira pra arrecadar o troco da viagem, nós fomos conhecer as cidades vizinhas famosas. Tentamos pegar uma praia em Cannes, mas era paga. Desistimos. Na volta pra Nice, encontramos a mulher lá com um radinho fubreca de fundo dando o acompanhamento e o tom (eu tenho certeza que acompanhava melhor que o radinho). Enquanto os dois foram comer, eu fiquei otimizando os negócios (pra ajudar, já que ela pagaria todos os pedágios e a gasolina para nós também). Segurei o radinho com cara de cachorro pidão, e volta e meia passava o chapéu para recolher os trocados. Tudo isto ao som de Carmem, de Bizet. Formou-se uma aglomeração considerável em volta dela, e nessa arrecadamos bem uns 300 e tantos euros em quase 1 hora. Fiquei abestalhado de ver como é fácil. Merda de europeus cultos que se importam com alguém cantando música clássica na praia.

Arrumamos as coisas, tomamos mais um banho público, resgatamos a mulher, e rumamos para a estrada novamente. A volta não teve nenhum elemento diferente da ida: muitos ais e uis, puta que parius, e um longo e arduoso caminho até a cidade luz.

Mas desta vez, ganhamos um savoir-faire de mendigagem que, indubitavelmente, ficará pra sempre em nossas memórias.

2 comentários:

Eliana Grellet Nicolas disse...

hahahaha
Demais Victor!
Se voce nao me disesse que estava se formando em turismo eu ia jurar que era em jornalismo!
Bjo

Janaína Moraes disse...

Olá, estou apenas passando para te apresentar o meu blog.
Estórias Medíocres traz de tudo um pouco, com um leve toque de opinião.
Passa por lá quando der para conhecer.