segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Na porta da geladeira

Eu moro em uma pseudo-república. Não é uma casa normal, definitivamente. Mas não chega a ser uma república também. Temos mais adereços de casa do que uma república, e mais desorganização e sambarilóve do que uma casa. Temos liquidificador, dois computadores, tv a cabo, colher de arroz e dois sofás. Em compensação, temos também uma bandeja do McDonalds, um copo do bar, um copo da Pizza Hut, um cinzeiro, uma rede e um violão.
Primeiro morou meu irmão, sozinho. Depois meu outro irmão junto. Aí meu segundo irmão foi embora, e veio morar um colombiano que meu primeiro irmão conheceu em Cuba. Então vim eu, e o colombiano foi embora. Daí meu segundo irmão voltou e o primeiro foi. Entrou o meu amigo da primeira faculdade que tinha mudado pra São Paulo. Entrou meu primo, e saiu o meu amigo. Por fim entrou minha amiga da minha sala da segunda faculdade e saiu meu primo. Ufa. Então a formação atual é essa: Na defesa (da limpeza e organização impecáveis) está meu segundo irmão, no meio campo (entre arrumadas e bagunçadas) estou eu, e no ataque feroz (da bagunça), minha amiga da segunda faculdade. Gostei de deixá-los todos assim caricatos, sem dar nome aos bois - e à vaca.
Em meio a tantas idas e vindas algo permanece intocável. Com um quê antropológico, a porta da geladeira tem praticamente a mesma formação desde o início. Claro, tudo com o prazo de vencimento pré-histórico. Dentre os personagens da porta da nossa geladeira, a mais famosa, sem dúvida, é a azeitona. É de conhecimento público que conservas tem prazo de validade extenso. A nossa azeitona (perceba a identificação psico-sociológica com o fruto das oliveiras) tinha data de validade situada em meados de Março de 2004. Costumeiramente, vários moradores abriam a geladeira, pegavam o pote, miravam a validade e soltavam:

-Putz! Essa azeitona já venceu faz tempo pra caralho! - Colocando-a novamente em seu lugar.

Teve uma ocasião no ano passado em que meu amigo da primeira faculdade chegou bêbado de uma balada e acabou comendo algumas das azeitonas, que possuiam consigo um inseparável caldo preto no fundo do pote. Estava tão fora de si que nem percebeu a atrocidade que estava cometendo - o que não passou despercebido por seu aparelho digestivo. Mas aos que pensam que a azeitona foi jogada fora, se enganam.
Este ano, em meados de setembro, eu abro a geladeira e inocentemente miro o local em que situavam-se as referidas. Qual não é minha surpresa ao perceber que já não estavam mais lá. Que agonia! Tomou-me uma incerteza do porvir, e engoli a seco. Onde estariam nossas parceiras de loga data?! Aguentei uma semana ansiosamente à espera da chegada de nossa empregada. Quando ela chegou, naquela terça chuvosa, não titubeei:

- Fia, onde estão as azeitonas que estavam aqui?! - em tom eufórico
- Eu joguei fora. Tava vencida.- respondeu ela, sem mostrar o menor arrependimento do ato, e até com uma ponta de orgulho.

Como era possível? Aquelas azeitonas tão verdes...e pretas...e cinzas...e com um caldo amarelo-arroxeado? Abri a porta da geladeira e olhei inconsolável para o lugar que ocupavam. Estava vago. Exatamente ao lado da geléia de Jabuticaba com vencimento de 2006. Nada daquilo fazia mais sentido. Ela, vanguardista da porta da geladeira, não se encontrava mais entre os catchups e a cachaça artesanal. Pensei em jogá-los todos fora, mas aguentei, afinal, um dia eles poderão contar para mais compotas e sachês que tiveram o prazer de conhecer Etti - a azeitona mais roots de todo o reino da geladeira.

2 comentários:

Anônimo disse...

hahahahahaha tem também aquele suco-sei-lá-de-que japonês, que eu devo ter pegado pra analisar umas 50 vezes, sempre encantado pela embalagem atrativa e sempre sendo repelido pela validade pré-histórica.

Anônimo disse...

Em breve em uma cinema perto de você "A Revolução da Geléia de Jabuticaba".